25 de maio de 2010

Desapropriação de terras custa R$ 1 bi por ano só em juros



O Tesouro Nacional gasta quase dois terços do dinheiro destinado a desapropriações de terras para a reforma agrária com o pagamento de juros. Uma amostra de 59 processos iniciados a partir de 1986 revela que 62% dos recursos gastos com indenizações foram usados para saldar dívidas de juros moratórios, compensatórios e remuneratórios com proprietários rurais.

Levantamento inédito da Procuradoria Federal do Instituto Nacional de reforma agrária (Incra) mostra que o chamado juro compensatório é o principal vilão dos cofres públicos. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1984, que deu razão aos donos de terras, fixou a taxa em 12% ao ano. A decisão do Supremo tem custado R$ 500 milhões anuais ao Tesouro Nacional, apontam advogados do Incra. Quando somados todos os débitos com juros em instituições federais, estaduais e municipais, o rombo chega a R$ 1 bilhão, segundo estimativa do Incra. Em um ambiente de estabilidade macroeconômica, penso que não se justificam juros compensatórios de 12% ao ano, diz o presidente do Incra, Rolf Hackbart.

Quanto mais tempo demoram as discussões na Justiça sobre os valores devidos pelo governo em processos de desapropriação, mais os donos ganham em juros. Um caso apurado pelo Incra é exemplar: uma fazenda do Maranhão, desapropriada há 15 anos, valia R$ 80 mil, mas custou R$ 257 mil ao Tesouro. Desse total, nada menos que 76% foram usados para quitar juros compensatórios. Além disso, a lei permite ao desapropriado receber, de forma antecipada, 80% do valor devido em Títulos da Dívida Agrária (TDAs). Mesmo assim, os juros são cobrados sobre o total da indenização contestada.

Em 2009, a União pagou R$ 126 milhões de juros compensatórios derivados de processos anteriores. O orçamento para obtenção de terras, no ano passado, somou R$ 950 milhões. Ou seja, 13% dos recursos usados em desapropriações foram para o bolso dos proprietários das terras sob a forma de juros. Com esse dinheiro, poderíamos ter assentado 2,1 mil famílias em 42 mil hectares, estima Hackbart. Para efeitos de comparação, o Incra assentou 55.498 famílias em 4,6 milhões de hectares no ano passado.

Diante da sangria imposta aos cofres públicos, a Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu questionar a decisão em ação no STF. A pedido da Procuradoria do Incra, a AGU solicitará o fim da taxa de juros. Mas os advogados até admitem a volta da taxa de juro original de 6% ao ano, como previsto na Lei Geral de Desapropriações. Contamos com o Poder Judiciário para acabar com essa distorção, afirma o presidente do Incra.

O Incra lembra que a legislação brasileira prevê taxa de juros de 6% ao ano para dívidas contratuais, previdenciárias, trabalhistas e funcionais. Enquanto servidores, pensionistas e fornecedores têm seus créditos remunerados a juros de 6%, os grandes latifundiários recebem pelo menos 12%, sem contar os juros de mora e remuneratórios, que totalizam até 21% ao ano, informa a petição do Incra.

Como argumento adicional para derrubar a cobrança, os procuradores federais avaliam que a Súmula 618, do STF, que elevou os juros, defenderão que os juros de 12% reproduzem um contexto econômico já superado pelo país. A petição afirma que, à época em que o regulamento foi editado, os imóveis rurais eram subavaliados pelo Poder Público, a inflação rondava 20% ao ano, a correção monetária não era aplicada e havia proibição sobre a incidência de juros moratórios.

Hoje, defende o Incra, as perícias levam em conta minuciosos estudos técnicos elaborados por engenheiros agrônomos e economistas da instituição. E, mais que tudo, a inflação está controlada. Além disso, o Incra argumenta que a desapropriação para a reforma agrária não é configura lesão ao patrimônio, e sim uma sanção civil. Violar a função social do imóvel é um ilícito constitucional, defende a petição.

Fonte: Valor Econômico