8 de julho de 2011

CNA defende mudança do Código Florestal em site americano



A presidente da CNA, Senadora Kátia Abreu, concedeu entrevista ao site Mongabay.com, um dos mais importantes e populares sites americanos sobre meio ambiente, ciência e proteção da natureza. Informações publicadas no Mongabay servem de fonte para várias publicações internacionais.

Mongabay – O que a inspirou senhora a entrar na política?

Senadora Kátia Abreu – Comecei a atuar na política em busca de soluções para os produtores rurais e as populações do interior do meu Estado, o Tocantins. Comecei atuando como presidente do Sindicato Rural da cidade de Gurupi, localizada numa região de economia agrícola e muitas deficiências de infraestrutura. Identifiquei os desafios que se impunham ao setor e busquei respostas eficientes para solucioná-los. Na esteira deste trabalho, presidi por quatro mandatos consecutivos a Federação da Agricultura e Pecuária do Tocantins (FAET). A defesa da atividade rural continuou norteando a minha vida quando, nesta mesma época, fui eleita deputada federal, primeiro como suplente e depois como titular. Entre 2000 e 2001, presidi a chamada “bancada ruralista” – grupo de parlamentares que defende os interesses dos produtores rurais – na Câmara dos Deputados. Trabalhei muito pelo campo brasileiro e pelo meu Estado. Em 2002, voltei à Câmara como a deputada mais votada do Tocantins, com 76 mil votos e 13% dos votos do Estado. Em 2005, fui eleita vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), quando aprofundei conhecimentos e estabeleci uma estratégia de trabalho para garantir condições ideais de produção ao setor agropecuário. Em 2006, tornei-me senadora pelo Tocantins. Passei a presidir a CNA em 2008, quando pude ampliar o leque de ações em defesa de um setor que gera 1/3 do PIB brasileiro, 42% das exportações e 1/3 dos empregos do País.

Mongabay – Na sua opinião, por que transformar o Brasil em uma superpotência agrícola? O que está impedindo o Brasil de se tornar um gigante agrícola ainda maior?

Senadora Kátia Abreu – Produzir grãos, carnes, é uma das vocações do Brasil, que tem todas as condições de atender à crescente demanda interna e externa por alimentos, sem comprometer a preservação de 61% do território nacional de 851 milhões de hectares que ainda se encontram cobertos por vegetação nativa. O Brasil é muito eficiente no chamado trabalho dentro da porteira das fazendas. A produtividade da agropecuária cresceu 151%, entre 1976 e 2011, enquanto a área plantada aumentou apenas 31% neste mesmo período. Mas a insegurança jurídica do nosso produtor em relação às legislações trabalhista, ambiental e sanitária, além da falta de atualização da política agrícola, dificulta o crescimento do setor. As deficiências de infraestrutura são o principal entrave ao escoamento da produção agrícola, reduzem a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo e também precisam ser enfrentadas de forma prioritária, para que o País possa se transformar numa potência agrícola mundial.

Mongabay – Por que a senhora acha que a reforma do Código Florestal é necessária? Na sua opinião, quais são as mudanças mais importantes?

Senadora Kátia Abreu – O atual Código Florestal brasileiro é uma lei de 1965, modificada por uma série de atos governamentais, que não reflete a realidade da agropecuária nacional e, se não for atualizada, continuará criminalizando 90% dos produtores rurais do País. Para se transformar numa potência agrícola mundial, o Brasil precisa de uma legislação ambiental moderna, que concilie produção agropecuária e preservação do meio ambiente, proporcionando segurança jurídica aos produtores rurais, que dependem de um meio ambiente equilibrado para continuar produzindo. O novo marco legal – aprovado na Câmara dos Deputados por 410 votos favoráveis e 63 contrários e segue agora para o Senado – trata com equilíbrio desses dois temas, sem deixar de impor ao Brasil uma das legislações ambientais mais rígidas do mundo, inclusive com a obrigatoriedade de manutenção de 20% a 80% de áreas com vegetação nativa (florestas em sua maior parte) como reserva legal no interior das propriedades, exigência que não existe em nenhum outro lugar do planeta.A perspectiva de regularizar propriedades e resgatar passivos ambientais, corrigindo eventuais descuidos durante a ocupação das áreas de produção, são os principais pontos do novo Código Florestal, pois permitirá a regularização dos produtores rurais do País e a consolidação das áreas abertas até julho de 2008.

Mongabay – A senhora acredita que a Floresta Amazônica ajuda ou prejudica agricultores em termos de serviços, como geradora de chuva?

Senadora Kátia Abreu – O equilíbrio ambiental e a oferta de água dependem da preservação da Floresta Amazônica, o que reforça ainda mais a importância do trabalho do produtor rural no manejo sustentável da floresta. Essa condição foi garantida até agora e está assegurada com o novo Código Florestal, que mantém o índice de 80% como área a ser preservada, como reserva legal, dentro das propriedades rurais da Amazônia. Os números mostram que a Amazônia é o bioma mais preservado (86%) entre os seis biomas brasileiros. A Floresta Amazônica não será ameaçada pelo novo Código Florestal. Ao contrário, estará mais protegida por ele.

Mongabay – A senhora acredita que o Brasil deve manter o seu objetivo nacional de redução de emissões?

Senadora Kátia Abreu – As metas de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) devem ser mantidas. E os produtores rurais brasileiros podem contribuir efetivamente para que sejam alcançadas. A CNA lançou, no último mês de junho, o Programa de Governança Climática para uma Agropecuária de Baixo Carbono (PABC), com o objetivo de medir as emissões e buscar os caminhos necessários para que a atividade rural seja cada vez mais eficiente e menos emissora de carbono. Este Programa de Agropecuária de Baixo Carbono complementa as ações do Projeto Biomas, que a CNA desenvolve em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) com o objetivo de desenvolver tecnologias que conciliem a produção de alimentos com a preservação ambiental nos seis biomas brasileiros (Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia, Caatinga, Pampa e Pantanal). Com a implantação do PABC, a CNA fará diagnósticos sobre a real participação do setor agropecuário na emissão dos GEE, aperfeiçoando processos e estimulando os produtores rurais a adotar soluções sustentáveis para a sua atividade.

Mongabay – A senhora tem uma visão da Amazônia em 2030? Possuirá metade da floresta, metade da agricultura? Algo mais?

Senadora Kátia Abreu – Em 2030, a Amazônia estará como está hoje: preservada. Os dados mostram que 79,7% da Amazônia brasileira (334 milhões de hectares de floresta) estão preservados por diversas formas (unidades de conservação ambiental, terras indígenas, parques nacionais, entre outros). Apenas 20,3% da Amazônia são ocupadas por áreas privadas, onde é permitido o cultivo de alimentos e pecuária. E, mesmo nessas áreas, a legislação ambiental brasileira estabelece que parte substancial também seja preservada sob a forma de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APPs). A atualização do Código Florestal não vai diminuir as regras de proteção. Ao contrário, tornará mais claras todas elas.

Mongabay – A senhora está preocupada com os potenciais riscos para as exportações de produtos agrícolas do Brasil serem associados ao desmatamento florestal?

Senadora Kátia Abreu – As exportações podem ser prejudicadas pela indefinição da atual legislação ambiental, que, de tão complexa, é de difícil interpretação pelos cidadãos, pelos próprios aplicadores da lei e pelos países que importam produtos agrícolas produzidos pelo Brasil. Sem compreender os 53 artigos da atual legislação ambiental, muitos dos quais acrescidos ou alterados ao longo das últimas décadas por meio de medidas provisórias (atos do Poder Executivo) e decretos presidenciais que não foram debatidos no âmbito do Congresso Nacional nem junto à sociedade, os importadores podem restringir as importações de produtos agrícolas brasileiros. Na verdade, o novo Código Florestal brasileiro torna as regras ambientais mais claras, não permite novos desmatamentos e, assim, contribuirá para a manutenção do fluxo de exportação.

Mongabay – Qual a sua opinião de grupos como o Greenpeace-Brasil e Amigos da Terra – Amazônia Brasileira (Friends of the Earth – Brazilian Amazon)?

Senadora Kátia Abreu – Muitas ONGs desenvolvem um trabalho sério, colaborando na busca de soluções para o País, o que não nos impede de fazer uma análise genérica desses grupos. Há, no entanto, ONGs internacionais que agem de forma predatória, especialmente no debate da questão ambiental. Às vésperas da recente votação do Código Florestal, algumas delas chegaram a ameaçar com uma campanha internacional para boicotar exportações de produtos da agropecuária brasileira caso a nova legislação fosse aprovada. Ou seja, ao lado daquelas que trabalham pela preservação ambiental, há as que representam interesses que não são os da sociedade brasileira.

Mongabay – Em recentes discursos no Senado, a senhora tem argumentado que os preços dos produtos agrícolas devem ser mantidos baixos, o que parece prejudicar produtores rurais. A senhora poderia explicar sua posição sobre esta questão?

Senadora Kátia Abreu – Tenho chamado a atenção, em meus discursos, para os efeitos negativos da manutenção do atual Código Florestal brasileiro, como a redução das áreas de plantio e da produção de alimento no País. Se a legislação ambiental não for atualizada, a área ocupada com atividades agropecuárias pode diminuir cerca de 20 milhões de hectares, pois os produtores rurais serão obrigados a arrancar suas lavouras e pastos para recompor as áreas de reserva legal e áreas de preservação permanente sem qualquer critério técnico ou bom senso. A população brasileira, que consome 70% da produção nacional de grãos e carnes, será a grande prejudicada, porque os preços dos alimentos vão subir. Sem a atualização do Código, os compradores internacionais também terão que pagar mais, porque o Brasil produzirá menos. Seria desumano desejar que os pobres comam menos. Então, não é uma questão de manter os preços baixos para os produtores, mas para o nosso cliente final, as pessoas que compram o alimento que produzimos, aqui no Brasil ou nos países para os quais exportamos. E isso não pode ser, pois de fato não é, antagônico aos interesses dos produtores. Os bons resultados da nossa atividade dependem dos preços, obviamente, mas dependem também de importantes fatores, como política agrícola ajustada, logística eficiente e segurança jurídica.

Mongabay – A CNA representa todos os produtores rurais do Brasil e muitas vezes se refere a eles como "produtores de alimentos". Qual é a sua relação com os produtores de etanol, de celulose e papel, algodão, e biodiesel?

Senadora Kátia Abreu – A CNA representa todos os produtores rurais do País, inclusive aqueles que produzem cana-de-açúcar para etanol, madeira para produção de celulose e papel, oleaginosas para a produção de biodiesel e algodão. Como presidente da CNA, meu compromisso é o de atuar para solucionar problemas pontuais que prejudiquem o desempenho de cada um dos segmentos da agropecuária, e também para minimizar os entraves que coloquem em risco as atividades desenvolvidas pelo setor, como é o caso do Código Florestal em vigor.

Mongabay – A senhora vê algum conflito de interesse na sua posição como política e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)?

Senadora Kátia Abreu – Não há conflitos de interesses, porque em ambos os casos busco garantir aos produtores rurais as condições ideais de trabalho. Muitas vezes usei a tribuna do Senado para mostrar equívocos nas políticas públicas direcionadas ao campo e denunciar preconceitos contra quem vive e trabalha na terra.
Mongabay – Há muito vem se falando sobre o aumento da produtividade com base na recuperação de terras degradadas e investir, em geral, em "melhores práticas". Qual será o incentivo econômico para fazer mais barato se a terra fértil está disponível por meio do desmatamento?

Senadora Kátia Abreu – O aumento da produção agropecuária brasileira, nos últimos anos, ocorreu pelo expressivo aumento de 151% na produtividade das lavouras, entre 1976 e 2011. Nesse período, a produção de grãos cresceu 228% e a área plantada cresceu muito menos, 31%, o que demonstra os bons resultados dos investimentos feitos pelos produtores rurais em novas tecnologias, que têm garantido a colheita de volumes recordes a cada ano-safra. Sem o uso de tecnologias, seria preciso ocupar 122,6 milhões de hectares, e não os atuais 48,9 milhões de hectares, para se ter a mesma produção, preservando, assim, muitas áreas que seriam desmatadas para possibilitar a expansão do volume produzido.

Mongabay – Em um discurso no Senado no mês passado, a senhora disse que não acreditava nos números referentes ao desmatamento apresentados pelo Imazon, uma ONG. No dia seguinte, os números oficiais do INPE mostraram que, de fato, as estimativas do Imazon foram conservadoras. A senhora acredita nos números oficiais do INPE?

Senadora Kátia Abreu – Os números do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) comprovam que o desmatamento no Brasil está em franco processo de retração. Em 2004, o total do desmatamento na Amazônia Legal (Região Amazônica e parte dos estados limítrofes) chegou a 27 mil quilômetros quadrados por ano. Em 2010, foi de 6.500 quilômetros quadrados. A previsão é de que estes índices continuem em queda, mostrando que o Brasil caminha com firmeza para cumprir as metas assumidas junto à 15ª Conferência das Partes para o Clima (COP 15), na Dinamarca, de redução em 80% do desmatamento até o ano de 2020. É importante reforçar que não apoiaremos nenhuma forma de desmatamento ilegal.

Mongabay – O Código Florestal aprovado pela Câmara perdoa multas do passado, mas não muda as regras do código atual sobre esta questão e não fornece qualquer apoio financeiro aos produtores para que eles se legalizem. Portanto, a senhora acha que em 2-3 anos, será necessário mais legislação para perdoar as prováveis novas práticas ilegais?

Senadora Kátia Abreu – Ao contrário do que vem sendo erroneamente divulgado, o novo Código Florestal, em nenhum de seus artigos, prevê anistia para quem desmatou ilegalmente. Apenas suspende as multas de quem desmatou até julho de 2008, para que os produtores rurais possam aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), enquanto aguardam nova avaliação do órgão ambiental. Só depois de cumprir tudo o que está previsto no PRA é que os produtores poderão ter suas multas convertidas em serviços de prestação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Aqueles que desmataram depois da data limite, deverão assumir as conseqüências, recuperando as áreas degradadas e pagando multas, entre outras punições. Anistia pura e simples não tem condicionantes, o que não acontece no caso da nova lei, que agora está sendo analisada pelo Senado.

Quanto a uma nova revisão da lei no futuro, penso que não será necessária. Uma vez aprovado o novo Código, as regras serão claras e valerão para todos. A produção de alimentos terá a segurança jurídica que necessita e o meio ambiente será preservado por uma das mais rígidas legislações do mundo.

Entrevista publicada no site americano Mongabay.com em 06 de julho de 2011: http://news.mongabay.com/2011/0706-abreu_interview.html