7 de novembro de 2013

Quintais garantem produção da agricultura no Semiárido



Campina Grande. Reunidos, na semana passada, em Campina Grande (Paraíba), no 3º Encontro Nacional de Agricultores Experimentadores – guardiões da biodiversidade cultivando vidas e resistência no Semiárido, esses portadores do conhecimento propagado por gerações mostraram que podem conviver com a seca que castiga o nosso sertão por dois anos simplesmente olhando para os seus quintais de outra forma.

Além das trocas de experiências em apresentações verbais e na Feira de Saberes e Sabores, eles se dividiram em grupos temáticos e territoriais para conhecer experiências de criatórios no Semiárido (potencial forrageiro da Caatinga, manejo alimentar das raças nativas e adaptadas); sementes e a diversificação produtiva dos cultivos anuais; quintais produtivos; e manejo agroflorestal das caatingas.

"Histórias de quintais"

O espaço ao redor das casas, na zona rural da região semiárida brasileira, é cheio de possibilidades. Nele crescem flores, árvores, fruteiras, plantas medicinais, forrageiras e temperos. É um lugar habitado por animais e também por brincadeiras infantis, com a forte presença feminina; onde a família trabalha, descansa, aprende, produz alimentos, recebe visitas. É com essa perspectiva que foi apresentada, no Encontro, a cartilha "História de quintais: a importância do arredor de casa na transformação do Semiárido", uma produção da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), por meio do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), com a colaboração de agricultores experimentadores dos nove Estados do Semiárido, de Minas Gerais até o Piauí.

Durante o Encontro, visitamos um quintal bem representativo do potencial desses espaços. A comunidade de Santa Cruz, município de São Vicente do Seridó, fica numa das regiões mais secas do Brasil, portanto uma das mais sofridas desses dois anos de seca. Lé vive o casal Lima Avelino. Terezinha e Manoelzinho casaram em 1980 e moram, desde então, numa pequena propriedade rural de quatro hectares.

Santa Cruz fica entre as regiões do Cariri e Seridó Paraibano, uma das mais secas do nosso Semiárido e também uma das mais degradadas, com uma média anual de apenas 400 milímetros de chuva. Nesse ambiente, durante muitos anos, a rotina do seu Manoelzinho foi trabalhar na construção civil de São Paulo durante os períodos de estiagem para sustentar a família, que começava a formar. A dificuldade de ter água para as necessidades mais básicas era grande, a ponto de Terezinha precisar se deslocar a outra comunidade, no município vizinho, onde havia pequenas cacimbas.

Em 1983, as famílias de Santa Cruz foram apoiadas na construção de um barreiro trincheira. Por 11 meses, mais de 600 pessoas trabalharam naquela frente de emergência. Percebendo a necessidade de aumentar o estoque de água, a família quis construir uma cisterna. Só em 1989 tiveram apoio para perfuração de um poço artesiano. A água era de boa qualidade e até hoje serve para o consumo da comunidade. Essa estrutura tornou desnecessária a busca de trabalho em São Paulo por Manoelzinho. Com água disponível, a família iniciou a criação de caprinos, porcos, galinhas e gado. Depois, por meio da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Santa Cruz e Santa Maria, a família recebeu o apoio do P1+2 para a construção de uma cisterna calçadão e canteiros econômicos.

Com o aumento de água estocada e o manejo agroecológico, a família consegue produzir diversos alimentos ao redor de casa, como frutas, hortaliças e plantas medicinais. A produção ajuda na alimentação e na geração de renda, por meio da comercialização do excedente aos vizinhos e amigos. Hoje são produzidos coentro, alface, cebolinha, graviola, mamão, manga, laranja e tangerina. Entre as plantas medicinais, cidreira, capim santo, hortelã e babosa.

Manoelzinho tem participado de capacitações sobre confecção e uso de defensivos naturais e manejo de criação de cabras e, sempre que possível, a família tem participado de intercâmbios para aprimorar o conhecimento e aplicar na produção. Já como resultado dessas formações, foram confeccionados dois silos forrageiros e uma esterqueira.

Persistência

Não muito distante do casal Lima Avelino, vive Sara Maria Constâncio, com o marido, um enteado e três filhos, no Assentamento São Domingos, município de Cubati. Ela conta que o marido produzia fazendo queimada e usando adubos e defensivos químicos. Inconformada com as dificuldades, Sara buscou informações sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), começou a participar das reuniões de trocas de agricultores experimentadores da ASA; e sob o olhar incrédulo do marido, começou a diversificar a produção, eliminar o uso de insumos químicos, fazer doces, bolos. No primeiro mês, conseguiu faturar R$ 760 para o espanto do marido, que só então passou a apoiá-la.

"Nunca todas as portas ficam fechadas" disse em relação aos apoios recebidos. "A seca me ensinou a me preparar. Quando está bom a gente tem que saber guardar e o conhecimento é fundamental para isso". Dessa forma, mesmo em tempo de seca prolongada, tem conseguido produzir: "Cada um é protagonista da sua vida. A produção de alimento saudável é o nosso futuro", resume.

Pesquisa

O Instituto Nacional do Semiárido (Insa), em parceria com a ASA, iniciou um projeto de pesquisa para entender as estratégias dos agricultores experimentadores, sobretudo em períodos de estiagem prolongada. Os pesquisadores-bolsistas Victor Maciel e Eduardo Rodrigues Araújo são os encarregados do projeto, que já selecionou 100 famílias, nos nove Estados do Semiárido, para a realização do estudo.

PROTAGONISTA

Força para superar tudo sozinha

Sara Constâncio, inconformada com as dificuldades, buscou informações sobre o Pnae e o PAA, começou a participar das reuniões de trocas de experiência de agricultores; e, sob o olhar incrédulo do marido, a diversificar a produção, eliminar o uso de insumos químicos, fazer doces, bolos, e, no primeiro mês, conseguiu R$ 760 para o espanto do marido, que só então passou a apoiá-la.

Fonte: Diário do Nordeste